
Foi em uma viagem para Bagé que a ficha caiu: afinal de contas, como bem diz o ditado, eu não cai muito longe do pé…Durante o caminho a amiga da amiga, também conhecida por Xará ( as duas tem o mesmo nome) contava de hábitos da macrobiótica, alimentos orgânicos e eu viajei…viajei na minha própria história para perceber que apesar das voltas do mundo, estou no trilho…
Voltei para meus tempos de infância, onde a “Bíblia” da minha mãe era um livro chamado “A Cura pela Comida” e no reboque estavam “A indústria Caseira de Alimentos” – que ensinava a fazer quase tudo que se pode imaginar em casa e o aterrorizante “Relatório Orion” – que denunciava os danos de agrotóxicos, corantes, conservantes e outros venenos da comida ultraprocessada. Eram os anos 80. Nesta época que eu me lembre ainda não se falava em sustentabilidade ou alimentos orgânicos, mas meus pais decidiram comprar um sítio para que pudessemos plantar e comer mais saudável. Nosso sítio, que eu batizei de “Matinho” era quase uma arca de Noé, com um pouco de tudo e no minimo um par de cada bicho…. Tinhamos frutas, verduras, leite de vaca e de cabra e os maravilhosos queijos que meu pai fazia. Ah! E tinha também mel colhido no favo e ovos coletados no galinheiro. Tinha o hidromel dos deuses que meu pai preparava… Nesta época acordávamos cedo para assistir Globo Rural e meus pais colecionavam os fascículos “Vida – guia de autosuficiência”.
Tínhamos 2 carros, mas, nos deslocamentos a prioridade era caminhar, depois coletivo e como última alternativa, o veículo auto-motor próprio. A bicicleta era diversão garantida e joelhos de calças rasgados nos finais de semana quando o sítio ainda não existiae liberdade infinita nos verões na praia…Entre os mimos gastronômicos, um dos inesquecíveis era aquela caixinha vermelha e amarela com o belo desenho de uma camponesa, que tinha passas de uva..ah! E as passas de caju, que nunca faltavam.
De repente, veio a pandemia e o comando de sossegar em casa e comecei a enveredar minha alimentação por novos caminhos. Com o tempo, voltaram muitas memórias e vejo que meus caminhos não são nada novos: são os caminhos que meus pais me mostraram quando eu era criança e adolescente. As sementes de abóbora, hoje tão cultuadas como alimento para o cérebro, há décadas atrás eram oferecidas como petiscos por minha mãe…E as pancs? Elas não era nem chamadas assim, mas lá estava o caruru e a beldroega no meu prato…junto com flores de abóbora. O armário de nossa cozinha, também tinha sementes germinando, para termos alimento vivo, que hoje faz meus olhos brilharem.
Na caneca com meu nome, para evitar desperdícios, na separação do lixo….todo o passado hoje tão presente. E tão atual.
Meu pai era engenheiro, minha mãe era artista…eles fizeram um bom trabalho: construiram meu caminho com bases sólidas e muita poesia – que só com o tempo aprendi a reconhecer e aos poucos vou admirando cada vez mais.
Obrigada, estejam onde estiverem por serem tão vanguarda e me prepararem para tantas (re) descobertas!