Transgênica

Transgênica, mas humana. Sobrevivente.

Sempre gostei de biologia – o estudo da vida – e as vezes brinco  com as amigas que sou transgênica, isto porque  tenho características de várias espécies….um pouco de tudo, um mix de mundo… E estava “desenvolvendo” esta teoria – os cientistas que me perdoem! – e me dei conta que eu tenho motivos mesmo para ser “transgenica”.

Mesmo tendo nascido e crescido na capital gaúcha, ainda fui de uma geração que viu a cidade com raras cercas ou muros, que brincava na rua e nas tardes de verão podia até fazer uma guerra de bexiguinha ou se refrescar com  mangueiradas em trajes de banho, em plena calçada. 
Nas tardes de domingo, passeávamos até o aeroporto para ver os aviões que iam e vinham. Nas noites quentes, caminhávamos tranquilos com o pai ou a com a vó para tomar um sorvete no bairro. Não haviam shoppings, nem fast foods, nem o “santo google”. Pesquisa de escola, ou era de porta em porta, para levantar dados e preencher questionários, ou era uma longa jornada  desbravando enciclopédias em busca de informações. E as portas se abriam assim como as páginas dos livros.  Conversávamos com estranhos, fazíamos amigos nas ruas, compartilhávamos lanche.

Estudei em colégio público, que era mais forte que o particular. Cresci misturada, movida pela curiosidade, espoleta…podia brincar e me esfolar, podia comer de tudo e em quantidade. Usava as roupas das primas mais velhas, que para mim eram como novas. O pai ensinava sempre a fazer um caminho diferente para chegar ao mesmo lugar. E era sempre a pé. De ônibus só se fosse muito longe. De carro, só se o tempo fosse curto demais. Mas, mesmo com o tempo curto, andávamos de vidros abertos…

Os tempos mudaram. Os muros subiram. Os portões se fecharam. As pessoas se isolaram. Os limites e o medo se instauraram. O tempo, está sempre escasso! A grande parte da população aceitou as mudanças e mudou com elas. Eu virei transgênica. Fui contra a “natureza”. Sigo desprezando muros, diferenças, modismos e comodismos. Quero viver livre, pois não faz sentido ser escrava. Uns dizem que sou forte, mas a verdade, é que sou sobrevivente. É muito difícil remar contra a maré. Insistir que discurso e prática devem andar juntos, de mãos dadas, com corações em sintonia. Ser forte – ou diferente – é ser alvo. É ser a prova viva do fracasso alheio. Ser transgênica, é ser alvo de estudo e preconceito.

Já perdi as contas de quantas vezes me chamaram de “Figura” (louca!)… mas eu olho um sem teto em um sono tranquilo no gramado e me passa  que seria maravilhoso de todos pudessem  usufruir desta mesma liberdade da ruas….por opção, é claro! Não quero mais polícia, queria menos medo. Acho maravilhoso falar com estranhos e conhecer desconhecidos. Encontrar novos caminhos. Fazer diferente. Fazer feliz. Sem motivos, sem segundas intenções. 

Minha rebeldia, meu maior protesto é ser eu!

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