O primeiro pedal no Alti(nada)plano Boliviano

Foi uma viagem….saí de manhã pedalando da minha casa em Porto Alegre. No Aeroporto desmontei a bike e segui para São Paulo. De lá para Santiago. Eu poderia ter dormido no Chile,  antes do vôo para La Paz mas o medo de não acordar e a excitação não me deixaram. Resultado: entrei no avião e apaguei. Apertei o sinto e adormeci sem mesmo ver a decolagem. Acordei de boca aberta com os primeiros raios de sol, já sobrevooando o Altiplano Boliviano, cercada pela Cordilheira dos Andes. Uma das cenas mais lindas que já vi. Então segui de boca aberta – agora de encantamento – e com o rosto colado na janela do avião, praticamente hipnotizada…A Bolívia até então era para mim uma grande desconhecida. Foi paixão a primeira vista.

Primeiro vi uma pista de pouso no meio do nada, depois montanhas lindas com neves eternas e no horizonte, meu objetivo: o sublime Titicaca. Até parece que o piloto deu uma volta extra para me mostrar o tamanho do meu desafio e da recompensa! Depois voltamos para a área urbana e comecei a ver as casas, todas sem cor, muito planas e sem telhados, apenas as torres de Igrejas se pronunciavam no horizonte. Foi a roda do avião tocar o solo que já vi no horizonte um movimento intenso de teleféricos e aticei ainda mais a curiosidade. Mal tinha feito a Imigração quando vi a minha bike – a Sky – vindo na esteira e em um impulso corri até a lá – coisa boba, nem 10 metros – e já senti o coração saltar pela boca. Não sei se foi emoção ou os primeiros efeitos da altitude: El Alto está a 4150m do nível do mar.  É óbvio que escolhi a primeira opção porque sei que a cabeça é uma arma poderosa e não queria me bloquear no início.

Li muito sobre os efeitos da altitude e basicamente há 2 alternativas: esperar 2 dias para que o organismo se acostume ou aterrisar e ir direto para o exercício, como normalmente fazem os jogadores de futebol, pois os efeitos levam de 4 a 5 horas para se intensificarem. Foi isso que eu fiz! Sem pressão, mas eu estava correndo contra o tempo: tinha que montar a bicicleta e começar o mais rápido possível os pelo menos 100km que me aguardavam. Fora isso, eu também não queria pedalar a noite e nos 2km finais eu ainda precisaria pegar uma balsa para chegar ao meu hostel que funciona apenas até as 22horas. Pressão total. Em menos de 1 hora consegui comprar um chip local  de dados – questão de segurança – e já estava pronta para rodar. Exatamente as 9h11minutos liguei o Strava – aplicativo que marca o trajeto. Sair pedalando de El Alto foi uma das coisas mais doidas e emocionantes que já fiz. Nos primeiros metros já vi que o trânsito é um caos: tem sinaleira, mas niguém respeita e os carros e vans vão se metendo, até que tranca tudo e começa o buzinaço. Nas primeiras quadras já vi que a cor que não existe nas casas está na roupas dos campesinos: saias muito rodadas, tranças, chapéus, filhos na garupa. E vi muitos cachorros de rua grandes e peludos – até dentro do Aeroporto, onde eles entram e deitam sem a menor cerimônia. Em meio a muvuca de gente, bicho e novas informações, cruzei uma feira de tudo, comprei bananas para a viagem e cheguei na Estação do Teleférico Azul “Quana Thaki”  que na língua indígena significa Liberdade. Eu estava no caminho certo! Pela baguatela de 3 bolivianos ( cerca de 2 reais)  e com a cortesia de um guarda que me ajudou a subir as escadas com a bike carregada entrei numa cabine e sai voando pelos céus da Bolívia. Nem pensei muito, mais foi pura emoção: o teleférico vai muito rápido, mas em nenhum momento bate a insegurança. Ela é a maior – mais de 30km e crescendo! – e mais alta rede de teleféricos do mundo e a cada 12 segundos passa uma cabine. Com minha sorte habitual, fui sozinha com a Sky em uma delas. E me diverti como criança! 

De volta ao solo, com facilidade tomei a Ruta Nacional 2, em direção a San Pedro de Tiquina e comecei a me deliciar com a paisagem. E observar tudo, como os muitos pneus queimados ao longo do caminho, testemunhas da crise que o país viveu recentemente com a renúncia do presidente. Até os primeiros 30km pedalados, eu estava até fazendo graça: como o ar é mais rarefeito, tinha menos resistência. Assim a Sky parecia voar, mesmo carregadinha e me levando de carona!

Depois, o tempo começou a se arrastar, parecia quase que eu estava andando para trás. As pernas começaram a doer. O cansaço parecia ter me encontrado com tudo. Eu já estava planejando até pedir uma carona. Revi o mapa do meu trajeto e decidi que ia tentar o “dedo” logo após uma bifurcação da estrada, em Huarina, para facilitar a logísitica. Foi justamente ali que recebi um presente dos céus: céu azul no horizonte e começou a chover. Encostei a bike para guardar o celular e retirar a capa de chuva e tive a impressão de que os pingos estavam mais grossos e pareciam agulhadinhas. Dito e feito! Não era impressão, era granizo!!! Enquanto os carros paravam, eu segui…rindo e chorando de emoção com o inusitado daquela situação. Até que de repente os pingos de gelo começaram e crescer começou a doer….eu segui o que deu, até encontrar um telhadinho para me abrigar das pedras.  Foi demais! Como a minha bike que tinha sido escalada para esta aventura nas alturas era a Branca de Neve – e o quadro dela se rompeu na véspera da viagem – vi na chuva de  “neve” uma homenagem a minha guerreira e testemunha de tanta vida compartilhada! Nesta euforia, mesmo com os pés congelando, os quilometros deram um salto….quando percebi, só faltavam mais 12 quilômetros. Mas ciclista que se preze nunca pode cantar vitória antes do tempo. Eu estava em uma parte plana, bem próxima ao Titicaca quando veio o vento. A esta altura, já era uma questão de honra chegar pedalando. E se eu não tinha pedido carona, não ia ser na reta final que eu ia fraquejar. Então veio a surpresa: uma curva radical no meu caminho que me livrou do vento contra. Mas em compensação….era uma subida tão íngreme que mais parecia uma parede. Desci e empurrei. A subida era horripilante, mas a beleza do lugar diretamente proporcional.

Aproveitei o passo lento para fazer minha boa ação de Natal: dei uns presentes que tinha no meu alforge para duas meninas que estavam na beira da estrada a pedir “regalitos”. Me emocionei. Uma delas me deu um abraço e a outra me olhou com amor. Me desejaram Feliz Natal. Eu segui com os olhos cheios de lágrimas. E aquele momento de comunhão me deu o gás que faltava para o trecho final que felizmente era uma descida.

Cheguei na beira do Titicaca para tomar a balsa exatamente as 17h52min…..com os últimos raios de sol. Olhei para o lado e estava escrito: “Villa Santa”. Eu estava no lugar certo, não restou nenhuma dúvida. E para confirmar, durante a travessia vi uma balsa com o nome da minha mãe. Desci da balsa e faltavam apenas 650 metros de outra subida íngreme. Nesta parte alguém deve ter me empurrado, pois só me lembro de voar lomba acima. Na última curva o meu hospedeiro já estava me esperando, para indicar a entrada. Nem acreditei quando cheguei. Mas cheguei!!! E me senti em casa. Foi um dos Natais mais lindos e emocionantes e o pedal mais duro da minha vida! Foram 107km, 904 metros de elevação e surreais 8h40minutos pedalando a praticamente 4 mil metros de altitude!

Foi uma linda aventura nas alturas no Altiplano ( nada plano!) Boliviano!

Confira mais fotos e narrativas desta viagem em http://www.instagram.com/carolstrussmann/

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