
Minha então cunhada – uma pessoa linda por dentro e por fora! – diante da inesperada notícia me disse bem assim: “Se tiver que chorar, chora mesmo…mas depois levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. A conversa seguiu mais um pouco e ela falou em viver o luto. Luto: uma palavra forte. Mesmo assim, naquele momento me pareceu muito adequada, com a ressalva de que o meu sentimento não era de que eu estava velando ninguém e sim sendo velada.
Como sempre, sem conseguir viver pela metade, me desaguei! E as lágrimas seguem vertendo enquanto lentamente estou conseguindo chorar menos e entender um pouco mais. Estou me permitindo. Foi justo nesta época – Primeiro Domingo de Advento – que há 17 anos atrás perdi meu pai e comecei minha carreira solo na vida. Naquele momento, o inesperado e inevitável também me paralisou. E eu queria só fugir, acreditar que tinha sido um mal entendido, evitar os lugares, as pessoas, as coisas que lembravam ele. Mas não dava. Era uma vida. Vida vivida e compartilhada. Vida de admiração mútua, afinidades mas também brigas, discordâncias… só mesmo “amor” resume. Não tem como apagar. Eu era tão jovem e levei tanto tempo para aceitar…
Concidentemente nestes dias a professora de espanhol pediu que escrevessemos sobre uma invenção doida. Eu aproveitei o nicho de mercado e desenvolvi então um “spray borrador seletivo de memórias”. Imaginou? Seria um sucesso absoluto em vendas. Eu mesma, compraria vários tubos. Seria a salvação mundial! Segui no desenvolvimento do revolucionário produto quando de repente freei meus impulsos empreendedores. Como assim apagar memórias? Quer dizer que as conquistas, as alegrias vividas, os sabores, tudo iria junto? Os tombos que ensinaram a levantar? Como separar o meu e o teu? Me pareceu uma cirurgia ímpossivel. E mais: me dei conta do absurdo que seria a gente poder apagar partes do que viveu. Com certeza ficaríamos cheios de vazios, completamente mancos, esburaqueados, regressaríamos à estaca a zero. Zero dor, zero vida, zero zero. Não. Definitivamente isso sim é que seria uma dor insuportável. A dor de não ter vivido. A dor de não ter tentado.
Decidi escrever então a minha versão e aprendizagens do luto e, quem sabe ajudar pessoas que nesta época do Ano também se sentem meio mortas ou desasadas pelas perdas da vida… A época de advento, para quem busca o verdadeiro sentido do Natal nos deixa tão vulneráveis, com os corações expostos…não poderia ser diferente.
Como disse a minha ex cunhada, a gente tem mesmo é que chorar. Chorar a dor e as ausências. Chorar para extinguir o pranto e estancar a dor… Chorar para aceitar o que não pode ser mudado ou que não depende de nós. Trocar auto flagelo por gratidão. E nisso agradecer às memórias. E nada de fugir delas, senão é como costurar uma ferida de bala sem retirar o projétil.
Nada de ser vítima: é “apenas” uma mudança de papéis, um ajuste no elenco pois o script segue….e urge! Penso que o tal “elaborar” o luto passa justamente pelo exercício de revisitar as memórias e vivê-las dentro do novo roteiro determinado pelo Criador. De buscar e agregar novos significados as nossas lembranças. Aquela comida, aquele lugar, aquela atividade não pode apenas ficar presa na lembrança. Precisa ser degustada, (re)visitada, realizada. Ela merece e pode ser mais! Ontem fiz isso. E me fez tão bem. Comi laranjas no cair do dia. Fui pedalar de noite com direito a comer churrasquinho na orla e depois fiquei sentada por lá, no frescor e silêncio da noite sentindo o vento, olhando o horizonte, me distraindo nas luzes da hidrovia… Nos meus outros lutos, não tive esta ousadia, mas altamente recomendo! Confesso que sem perceber deixei até escapar alguns sorrisos…..