
Muitos me apresentam como tri atleta, mas a verdade é que faço uma modalidade de cada vez, pois gosto de me deleitar durante a prática esportiva, transformando transpiração em inspiração. Pois então! O último final de semana foi de braçadas: milhares delas – foram 4500 metros de pensamentos…enquanto eu repetia movimentos, com o corpo abraçado pelas verdes e salobras águas da lagoa do meio, os pensamentos foram longe e trouxeram uma palavra que tornou-se o desafio: re – significar. E ela trouxe de carona mais uma palavra melhor para iniciar o desafio esportivo-filosófico: re – cordar…que, no latim, que dizer passar de novo pelo coração. Por que será então que o ápice de qualquer esportista é quebrar um re-corde? Por que no inglês record é gravar? Afinal, é bom ou não passar pelo coração? O que fazer com as lembranças…deixá-las ir ou gravá-las – break records or just record?
E no meio de toda esta viagem, onde fica mesmo o esporte?
Bem, desde agosto eu já tinha confirmado minha participação na “Nave Mais
Travessias” – um grupo divertido que reúne nadadores de todas as idades e
clubes. Mas a vida deu mil e uma reviravoltas e quando chegou o dia de
embarcar, pensei seriamente em desistir e, na dúvida, deixei tudo com o
universo…
E não é que o bandido me mandou, há três horas do embarque, um vendaval seguido de falta e luz e ainda
por cima, puxou o gatilho, dando o tiro de misericórdia: a bateria do celular
deu um último suspiro e morreu. E se isto era uma sutileza do universo para que
eu desistisse, me concentrei para vencer o medo e transformei em tempero a
mais: arrumei a mochila no escuro, exercitando o tato na escolha dos figurinos,
abracei a roupa de borracha, fechei a casa…me despedi das cuscas me fitavam
espantadas com os olhinhos brilhando em meio ao breu e me fui. Sem olhar para
trás. Sem enxergar nada na frente. Caminhei uns vinte minutos na escuridão da
cidade até achar a luz – no caso, um táxi – e me fui para o ponto de encontro
dos nadadores. Primeiro obstáculo vencido.
Mas, sou humana, e apesar de seguir em frente, senti muito medo e, talvez por
toda esta adrenalina ou pelas cervejinhas que tomei quando cheguei enfim no
ponto de encontro, dormi a viagem inteira e acordei no dia seguinte em Santa
Catarina, na Praia do Rosa.
A Praia do Rosa estava estreando na I etapa do Circuito Mercosul de Travessias. A princípio, tudo novo. Para mim não. O local escolhido para trazia muitas lembranças: lembranças de veraneios em família, com três gerações reunidas, depois duas… lembranças de um história de amor que comprovou afinidades mas que não resistiu à distância…promessas de um novo amor construído que seria para sempre e acabou nem sendo… O local da prova era paradisíaco: da montanha para a lagoa, da lagoa para o mar… como poderia eu tentar apagar ou diminuir a beleza daquele lugar com re-cordações? O desafio ficou bem claro: quebrar recordes! Provar o gosto inesquecível da superação…que no esporte sempre é bem salgado!
Como no caminho eu já havia transformado medo em superação, resolvi que pegaria todas as recordações e faria – como a palavra mesmo diz – uma passagem de todas elas novamente pelo meu coração…mas não como um simples flashback… e sim como um filtro…foi neste momento que vi claramente que os sentidos contraditórios se encontraram: revivi momentos, quebrei recordes e gravei apenas a parte das histórias que me faz ir adiante, que motiva, que faz vibrar o coração…afinal, pensamentos não faltam, mas eu estava lá para competir e cruzar a linha de chegada é preciso! Deixei então ir o passado, diluindo nas águas e no tempo, as ausências e isso foi me deixando mais leve e as braçadas mais fortes…fui fazendo ultrapassagens e incrivelmente avançando nas águas, como se tivesse ligado o motor turbo…
Toda esta movimentação – dos músculos do corpo e da mente – me renderam um pódio inédito: 4ª lugar nos 3000 metros e um digno 8º lugar nos 1500m. Para mim está bom. Afinal, quebrei meus recordes, venci fantasmas, ganhei de um monte de gente que ficou em casa, lá em Porto Alegre, esperando a luz voltar…