
Quando estou em
Porto Alegre nos finais de semana meu ritual dos sábados pela manhã é ir
na Feirinha Ecológica e de lá para o Mercado Público, onde compro
então as carnes, frutas secas e outras coisas “naturebas” que
adoro! Apaixonada por flores, acabo sempre chegando no Mercado Público com
minhas ecobags pelos ombros e no peito no mínimo um buque da flor que tiver
roubado meu coração naquele dia. Não sou eu quem escolho – elas me
escolhem. Sem eu perceber este meu hábito já está virando tradição
e me rendeu um apelido lindo, do qual muito me envaideço: Menina da Flor.
Na Banca Macrobiótica, enquanto espero minha vez os guris que atendem já
me cumprimentam assim: bom dia Menina da Flor! Tem um deles que me vê e
já vai logo arranhando um Roberto Carlos: “receba estas
flores….” Entre eles a brincadeira é saber qual o nome da flor
escolhida aquela semana….e eu dou trela! Acho pura poesia… fico feliz de
fazer parte das entrelinhas….Me lembro um dia que estava com um buquet de
hibisco e expliquei que a flor era também de comer e fiz uma sessão
de degustação. Para mim, a ligação com as flores é o elogio mais
belo que poderia receber! Em outra ocasião – eu com um ramo de flores de
pessegueiro e um dos atendentes pergunta se não é flor de marmelo
ou algo assim. Quando eu disse que não, os colegas caíram em cima dele e
lá fui eu olhar na Internet como eram as outras flores e quando
“provei” que eram mesmo parecidas, acabou a gozação!
Em um destes sábados chovia aos cântaros e mesmo assim cumpri meu ritual. Sim,
as flores não me abandonam nem nos dias mais cinzentos! E não é que na saída
da feira eu entrei no ônibus rumo ao Mercado Público e quando eu estava quase
chegando uma senhora pediu licença e me disse: “moça, me desculpe
interromper mas eu e minha amiga vínhamos observando a tua relação com as
flores e nos passou algo tão bom, capaz de iluminar este sábado chuvoso.
Que lindo de ver.” Surpresa e feliz eu agradeci aquele comentário que
também iluminou e fez sorrir meu coração….como elas tinham descoberto que eu
era a Menina da Flor? Pois então! Tenho que confessar! Cada vez que pego um
buque de flores sinto isso que elas falaram: é como se as flores me
trouxessem uma explosão de sentimentos bons e me emprestassem sua beleza. É
impossível ficar indiferente a elas. É como se elas me vestissem e se tornassem
minha extensão. Reconhecendo e respeitando esta dádiva eu as carrego como
um bebê, envolvo com carinho, protejo com gratidão, porto com orgulho.
Fico flertando com elas, admirando sua beleza e perfume,
retribuindo o carinho. Parece que elas me fazem uma pessoa melhor! Bem, talvez
esteja no sangue… Minha avó paterna era reconhecida em Cachoeira do Sul por
ter um jardim maravilhosamente florido. Um pastor local até escreveu sobre isso
no Jornal Luterano e no texto contava que a minha avó dizia que o segredo de
seu jardim era que ela conversava com as flores. A vó Alzira faleceu quando eu
tinha 5 ou 6 anos….mesmo assim lembro da sacada o apartamento que veio morar
em Porto Alegre repleta de flores que exalavam um doce e inebriante perfume de
mel.
Aliás, desta idade em diante, quando passamos a ter um sítio e ir todos
os finais de semana para lá a minha diversão preferida era sair pelo
campo colhendo flores e cantarolando. Do sitio além de frutas, verduras, leite
e ovos, as flores também eram item obrigatório – talvez daí minha
necessidade de ter sempre flores dentro de casa.
Um dia destes, no caminho do Centro, parei com uma amiga no
sinal e um moço ofereceu rosas. Que tentação! Sou apaixonada por flores. Mas eu
estava de viagem marcada e com a casa já florida e não faria sentido mais
flores para que não fossem contempladas, então resisti a tentação. Mesmo
com o vidro do carro fechado, agradeci ao moço e sorri para ele, como que em
sinal de condescendência, carinho, algo assim. Lembrei que algumas
semanas antes tinha passado naquela sinaleira de bike e “negociado” alguns
buques com o tal rapaz, mas não sei se ele lembrou. Acho que ele apenas ficou
feliz com aquela atenção e quis também retribuir e fazer graça comigo… olhou
para a minha amiga, mas ela estava focada no sinal….mas ele não desistiu: foi
para o lado da motorista e acabou conquistando sua atenção….fazia sinais,
apontava pro céu, como que agradecendo, ficava gesticulando….nós no carro
começamos a rir e ele continuou a reverência dele cada vez mais enfático
até que sorriu um dos sorrisos mais lindos e sinceros que já vi, expondo
sua dentadura quase pela metade, um dente sim, um dente não….
Neste momento a minha face dividiu o meu riso com umas lágrimas – de emoção! –
e pedi desculpas a Deus por ser uma pessoa tão boba, tão cheia de
pudores….que vergonha das minhas vergonhas e cobranças exageradas. Justo eu?
Justo a Menina da Flor? Será que eu não aprendi nada ou é esta a lição
que elas querem me ensinar e que meu amigo de sorriso bem-me-quer-mal-me-quer
já aprendeu? Mais do que formas ou situações perfeitas, a beleza das flores (e
da vida) está na forma como se entregam para a vida com toda a sua intensidade!
O sinal abriu….seguimos viagem…e ficou comigo o desafio de também me abrir,
como as flores, sem medo de espalhar seu perfume, sem medo de murchar e virar
fruto, sem medo de ser semente e brotar onde o vento – ou o coração – me
levar…